quarta-feira, 26 de março de 2008

O beijo do silêncio


Chegas traiçoeiro em teus lábios cerrados,
Beijas de olhos abertos em meu tormento,
Queres encerrar-me em meu abrigo maldito,
Abraças-me, e eu a ti, no frio, desinteressados,
Desterras-me na ausência onde me acorrento.
*
Silencias quem não nos quer ver calados,
Secas-me as lágrimas que quero de alegria,
Feres-me de morte nos receios infundados,
Queres-me sem sorte, ou mesmo sem preço,
Dás-me a vontade de me acabar neste dia.
*
Sabes que me posso perder no teu silêncio,
E que me posso encontrar na tua solidão,
És um beijo que eu sei que não mereço,
Parente de fantasmas que eu não conheço,
Filho de mãe que pariu um filho em vão.
*
Venço-te se a minha face eu não te oferecer,
Se lábios meus se abrirem quando acordar,
Se o desejo que eu trago nunca me perecer,
E se nunca aos teus lábios gélidos eu me chegar,
Se no beijo do teu silêncio eu jamais me perder.
*
Não me deixes perder no silêncio...

quarta-feira, 19 de março de 2008

Pai.


Hoje acordei triste como o dia me deixou,
Tentei disfarçar, aos outros, tentei disfarçar-me,
Acordei triste talvez por saber quem não chorou,
Tentei e desisti, por não conseguir enganar-me.
*
É a ti que eu devo metade daquilo que eu sou,
A outra metade devo-a a alguém que tu amaste,
Hoje vi o sorriso de uma criança que me calou,
Hoje fiquei triste, porque senti que me falaste.
*
E tu nunca foste metade de nada, sempre pai,
Nunca te senti ausente, mesmo quando parti,
Hoje eu acordei triste como este tempo aqui vai,
Hoje pensei o quanto eu sinto falta de pai, de ti.
*
Hoje li alguém dar uma esperança e desconfiar,
Porque os sonhos são apenas uma mera realidade,
A esperança nada é, nada fica se ela não se realizar,
Nada perdura, se algum dia perdermos a saudade.
*
Perdoa-me se eu afinal podia ter estado naquela hora,
Eu agradeço-te por me teres dado a liberdade cedo,
Perdoa-me por não ser filho, por te ter deixado ir embora,
Talvez eu hoje consiga, por ti chorar em segredo.
N 20/05/1918 F 10/02/2008

segunda-feira, 17 de março de 2008

Lua.


Tua luz é um brilho que vejo emprestado,
Incandescente na tua imensa solidão,
Feiticeira, mesmo passageira e ser adorado,
Em outras, sinal de quem te vê a superstição,
Quando és bem querida, Mesmo por entre nuvens escondida.
*
Altiva, luz de caminhante e marinheiro,
Viajante no tempo e no espaço segredos,
Melodia de trovador, letra de cancioneiro,
Confessam-te amores, coragens e medos,
Lágrima, mistério sofrido, Num reflexo dorido.
*
Chama inerte, pois que esse fogo não é teu,
Chamam-te nova, minguante, cheia, crescente,
Regulas marés, quando te penduras no céu,
Rogam-te preces, como por ti já morreu gente,
Sacrifícios em velhos altares, Sacerdotes sem tu mandares.
*
Eclipse onde te escondes, onde apagas teu ser,
Onde na tua silhueta, por segundos és magia,
Negra e alva de seguida, transparente de se ver,
Anciãos ou magos, egoístas roubam-te a poesia,
Ficas presa por um cordel, Chamam-te lua de papel.
*
Tens uma face, outro lado negro que não é luar,
Obscuro, oculto, incerto para o outro mundo,
Nasces no entretanto de uma luz que vai findar,
Fases em que ficas, fazes que não vês moribundo,
Ficar este mar, esta terra, Esta fome e esta guerra. *
JMC In Redenção

sexta-feira, 14 de março de 2008

Punição


Acordei, no meu sonho que se desvanece,
Dissipando-se volátil no lúgubre nevoeiro,
No trágico cadafalso,
O meu algoz que de nós todos escarnece,
O povo que aqui chega aos magotes, ordeiro.
*
Vou assistir à minha infindável punição,
Vou sorrir ao castigo, antes de me findar,
Perdoar aos juízes,
Que, não sabendo, me oferecem a redenção,
No cinismo de que me podem acusar.
*
Ganho asas na brisa que se afugenta,
Dou o meu sangue a beber aos chacais,
Vampiros sedentos
Infligem-me o punhal que não me atormenta,
Sem a dor, nem o sofrimento dos demais.
*
Ainda espero o efémero resgate da alma,
Ouvindo o uivar dos lobos meus aliados,
Meus amigos irmãos,
Chorando na noite que me chega calma,
Ao murmúrio da lua que nos deixa enfeitiçados.
*
Permanecem na floresta dos meus receios,
Onde na sua matilha eu me fiz punir,
Entregando-me à lei,
Erguendo-me no orgulho dos meus anseios,
Julgando-me para não mais fugir.
*
2006 JMC in Punição

segunda-feira, 10 de março de 2008

Correntes



Não temo estas correntes por me prenderem,
Não são de aço frio ou de ferro temperado,
São torrentes sem fim, de começo inesperado,
São de ouro, de luz, de sempre por nos trazerem,
Presos no desejo acorrentado da liberdade,
São anéis que se perdem no ciclo da vida,
E a viagem sôfrega nos elos da nossa vontade,
Renascendo na mudança que nos foi oferecida.
*
São estas as correntes que nos ligam à infância,
Que nos fazem sorrir hoje pelos nossos passos,
Porto seguro onde os navios prendem a distância,
Onde nossos olhos descansam no acaso destes laços,
Uma lágrima sinto-a soltar-se, sem ter continuação,
Não existe nunca mais despedida, nem um adeus,
Se quebrar esta corrente, outra virá, outras serão,
Correntes que correm, que aqui ficam em traços meus.

domingo, 9 de março de 2008

The Cure

Ontem...um indiscritível espectáculo! Uma das maiores enchentes do Atlântico! Aquilo que a que eu chamo de projecto do Mister Robert Smith...The Cure... 3 magníficas horas, (com 3 encores !?!) onde e com o habitual simplicismo que o caracteriza, foram revisitadas 3 décadas de música intemporal, música sem etiquetas, sem necessidade de catálogos ou de sexo como lhe gosto de chamar, simples, humilde, pura, respeitando quem lá esteve a pagar para os ver (e não só) à beira dos cinquenta aquela voz continua tão límpida como no início...É caso para dizer que só visto mesmo... Abriram simples com Plainsong...

quarta-feira, 5 de março de 2008

Grades.


Antes escrevia palavras onde era a dor,

Rasgava o ódio e a raiva que queria ter,

Antes eu sentia o infame que não posso ser,

Queria ver o sangue jorrar ao invés do amor,

Antes eu encarcerava o azul do céu,

Numa sala repleta da minha escuridão,

Era a surdez na alegria de uma canção,

Era o definhar da tristeza em corpo meu,

Antes eu morria quando a luz me trepassava,

E do meu poema só o sangue me dizia,

Que o abismo era a saída que eu queria,

A sorte emprestou-me o azar que me calava,

Fiz um castelo cinzento que eu já não quero,

De pedras frias e gastas, vestidas de escuro,

Numa colina de negrume, onde não perduro,

Onde já não subo os degraus de desespero,

Reino noutro sem corte, sem trono desejado,

Onde me amam por aquilo que eu vou ser,

Onde eu todas as noites amo até me perder,

A mulher que me fez humilde de fortuna elevado,

Hoje sou homem novo sem grades, ou prisão,

Olho de fora para dentro, porque é lá que estou,

É lá que me encontrei e pertenço onde eu vou,

Não onde me parecia livre na imensa solidão.

terça-feira, 4 de março de 2008

Uma razão.






Existe um mundo que nem sempre nos parece certo,
E no entanto o algo que fazemos é passar-lhe ao lado,
Eu que nunca soube quem era, sendo um passo incerto,
Quis ouvir a minha razão dizer-me que estava errado.
Já me senti sem um único caminho, pronto para desistir,
Já fui errante vagabundo apenas à procura de um sentido,
Achei que o mundo não era razão alguma para eu sorrir,
Já estive sem saber de mim, no meu corpo desfalecido.
*
Por muito que do céu venham lágrimas, vou estar por aqui,
Tenho alguém de quem eu preciso, e que soube esperar,
Alguém que já chorou comigo, quando eu não o consegui,
Levantando-me do chão empoeirado, apenas por me amar.
Escolhi por entre uma nuvem encoberta, que o Sol fosse razão,
E tu me escolheste por entre as incertezas que já sofremos,
Vamos direito ao impossível se for preciso, de alma na mão,
Vamos viver, sorrir e chorar tudo aquilo que nós queremos